Hoje pela manhã o amigo e fundador do FnP, Prof. Marcelo Desterro, me enviou o comentário do Asian Times.

Então pensei que, a melhor Carta Mensal que poderia escrever seria a colocação das minhas ideias em forma de resposta aos comentários do site.

Seguem abaixo:

A China está procurando alternativas ao dólar americano como moeda de reserva depois que nações ocidentais congelaram os ativos estrangeiros do banco central da Rússia na semana passada, disse o ex-economista-chefe do FMI Kenneth Rogoff à mídia em 1º de março.

A apreensão de ativos soberanos russos não tem precedentes na história do pós-guerra e estabelece um precedente para ações semelhantes contra a China no caso de hostilidades sobre Taiwan.

“É uma medida absolutamente radical tentar congelar ativos em um grande banco central. É um momento de quebrar o vidro”, disse Rogoff, agora professor da Universidade de Harvard.

“É uma coisa importante”, acrescentou Rogoff. “Quero dizer, se você quiser olhar para o quadro de longo prazo do domínio do dólar na economia global, acredite, a China está olhando para isso. Eles têm, não sei, US$ 3 trilhões em reservas em dólares.

Fonte: Asian Times

Marcelo,

Sempre foi isso, diria que não apenas da China, mas da Rússia também. A hegemonia política americana na atual ondem mundial repousa na hegemonia do USD sobre as outras moedas, na capacidade dos USA seguirem se financiando apesar de déficits crescentes.

Aquela besteira de ontem à noite, dos países da OSCE aprovarem uma moção para envio de observadores “imparciais” para “investigar” crimes contra civis ucranianos, assim transformando Putin num criminoso de guerra, é a tentativa de impor uma ordem mundial que China e Rússia já vem questionando a muitos anos. Ou seja, o Putin questiona a autoridade dos USA de liderar esse tipo de iniciativa. A OSCE á a iniciativa europeia de segurança, a OTAN sem os USA.

O Olaf Scholz, Chanceler Alemão, está sob pressão política interna, pois muitos já questionam como a Angela Merkel teria agido. A construção do Nord Stream 2 foi feita durante os mandatos Merkel, apesar dos USA serem contrário. Hoje ele está lá, pronto para operar.

Em dezembro de 2019, Emmanuel Macron já tinha divulgado sua intenção, como futuro presidente da EU, levaria a frente planos de segurança para a região, fora da esfera da OTAN dentro da esfera da OSCE. Mas então veio a pandemia, ele acabou de assumir a presidência da EU.

Na minha opinião, a EU errou muito ao deixar os USA liderarem as negociações com a Rússia. Putin conhece bem a arrogância e vaidade de Joe Biden e deixou o “barco andar” de propósito. Mas essa é uma opinião pessoal.

Antes de voltarmos para a questão da moeda (US Dollar – USD), em 23/01/22, ou seja, um mês antes da invasão russa, o então chefe da marinha alemã, disse: “Kay-Achim Schönbach disse que a ideia de que a Rússia queria invadir a Ucrânia era um absurdo. Ele acrescentou que tudo o que o presidente Vladimir Putin queria era respeito”. E então se demitiu ou “foi demitido”.

No ano da queda do muro de Berlin eu tinha 25 anos, passei a década de 1970 sob as ameaças da antiga Guerra Fria, e concordo com o ex-chefe da marinha alemã, a Rússia e Putin merecem mais respeito e acho que só agora o mundo percebe isso. Vamos ver se agora mudam.

Em relação ao USD, como disse no início, a hegemonia política americana e a ordem mundial atual repousam sobre a “demanda” global por USD. É através dela que os USA puderam expandir o balanço do FED e permanecer com os chamados déficits gêmeos (fiscal e externo) por mais de uma década. Ou seja, a tal da MMT (Modern Monetary Theory), ou o financiamento indefinido de déficits fiscais com emissão de moeda, só é possível nos USA, sem gerar fortíssima inflação, porque ele é o emissor da moeda de liquidação das transações comerciais globais e “a” principal reserva de valor. Sem isso, a inflação local já teria disparado.

Já comentei inúmeras vezes sobre o Reverse Repo do FED. Nesse sistema o FED NY recebe depósitos em dinheiro e vende títulos do Tesouro USA por 1 dia. Ou seja, apenas por um overnight, a instituição que tem depósitos em dinheiro, os empresta ao FED NY com um título do Tesouro como seu colateral.

Isso é o equivalente a chamas Operações Compromissadas do Bacen, que por muitos anos também eram feitas no overnight (por 1 dia útil), mas já tem alguns anos o Bacen conseguiu alongar esses prazos para até 91 dias, dependendo do mercado.

Devido a minha experiencia no Brasil, acredito grandes volumes de dinheiro sendo “investidos” no banco central de forma contínua, denotam alguns problemas potenciais: i) baixa credibilidade na moeda local, ii) baixa credibilidade no banco central local e iii) medo do futuro fiscal do país em questão.

Muitos vão apenas relacionar essas características a “preferência pela liquidez”, o que está absolutamente correto, mas o ponto principal é: Porque preferir a liquidez, mesmo com prêmios altos? E sejamos honestos, a curva de juros USA apresenta juro real negativo e por consequência “prêmio pela liquidez” negativo e não positivo.

Então, o que temos hoje nos USA? Juro real negativo e um FED fraco, “emparedado” por um mandato duplo absolutamente absurdo.

O que resta saber é: Se o terceiro componente, “baixa credibilidade na moeda local”, é ou não verdadeiro. Novamente uma opinião pessoal, sim. Perdeu-se a credibilidade no USD e a consequência concreta disso tem nome: INFLAÇÃO.

Notem no gráfico acima que, foi aproximadamente a partir de maio de 2021 que os volumes em Reverse Repo começaram a subir, coincidência ou não, no mesmo momento em que o CPI americano começou a acelerar. Para mim nunca foi coincidência. Grosso modo o FED, desde março de 2020, “injetou” recursos através de fortes compras de títulos do Tesouro e MBS (Mortgage Back Securities) no mercado secundário, gerando uma expansão de seu balanço da ordem de USD 5 trilhões. Por “alguma razão” USD 1,5 Trilhões retornam para ele “todos os dias”. Resumindo, 1/3 de tudo que o FED “injetou” volta diariamente para ele.

Já sabemos que: o juro real é negativo e a MMT é a teoria escolhida pelo partido Democrata, então faz todo sentido que o Reverse Repo esteja expressando uma “baixa credibilidade na moeda” e assim o processo inflacionário acelera.

Esse gráfico, retirado do site do FED NY, não deixa dúvidas sobre o momento do Reverse Repo.

Em relação a China, desde a ascensão de Xi Jinping, existe um movimento de convencimento mundial sobre o CNY (Chinese Yuan) ser elevado a moeda de transação internacional e reserva de valor, inclusive em 2016 o FMI incluiu o CNY na cesta de moedas que compõe os Depósitos Especiais de Saques (DES), a moeda do FMI.

Nunca acreditei no CNY como moeda de reserva e liquidação de comercio internacional por duas razões: i) falta de transparência fiscal e ii) o CNY é uma moeda “semi-fixa” administrada pelo PBoC (People’s Bank of China) dentro de uma banda.

Outro dado relevante é que, não foi sem razão que a ideia de MMT tenha aparecido nos USA pelas mãos de acadêmicos de esquerda, pois é o que a China sempre fez, o que seria mais um dado contra a conversibilidade total do CNY.

Conclusão:

A verdadeira luta da China é para enfraquecer a hegemonia do dólar, pois entre 2008 e 2019, mesmo com o FED expandindo seu balanço para atender as demandas da crise de 2008, o USD se fortaleceu e sempre entendi esse movimento com preferência mundial pela estabilidade institucional, transparecia fiscal e capacidade de adaptação da economia USA.

Mas infelizmente isso tudo pode ter mudado após a crise Rússia – Ucrânia. De fato, no mundo real, não dar acesso ao Swift pelos russos não afeta apenas os recebimentos russos em dólares, mas também afetará os recebimentos de bancos e empresas do ocidente de recursos dos russos. Vale para os dois lados.

No dia do anúncio da restrição ao Swift, o Ministro das Finanças da França, disse que isso dificultará o recebimento de USD 30 bilhões de empresas e bancos russos, entre juros e principal, devidos em 2022. Hoje já começaram os problemas, as agências de rating do ocidente jogaram a dívida russa para junk bond, talvez porque ontem, credores europeus de USD 210 milhões disserem que o devedor russo não pagou. Mas a Rússia diz que pagou e deve estar retido em algum lugar. Cancelar um Banco Central dá nisso, pois imaginar que um país que tem bilhões de dólares em reservas não pagaria esse valor é ideia de maluco.

Na verdade, excluir a Rússia do Swift e “cassar” criptomoedas para que ela não tenha acesso a recursos, trará apenas mais desconfiança ao sistema como um todo, pois hoje é o “vilão” do Putin, mas quem sabe amanhã não será você a ser “cancelado” do sistema financeiro internacional?

A mídia ocidental agora tentará transformar o Putin num criminoso de guerra, partindo do pressuposto de uma ordem mundial que China e Rússia já disseram que não reconhecem. Minha impressão é, a cada aumento de pressão, na realidade acaba aumentando a dúvida de diversos governantes, democratas ou não, de que suas reservas devem ser rapidamente diversificadas e assim a China em vez de ser elevada os “status” USA de qualidade e segurança, consegue o mesmo efeito trazendo o USD ao mesmo “status” de insegurança do CNY.

Em temos de política econômica e crescimento, acredito que seja crucial para a China conseguir “tomar” espaço do USD pelo CNY, para que ela possa seguir emitindo dentro do seu MMT e assim não pressionar a inflação interna. Aliás, provavelmente deva ser isso que o Banco Central Russo deva fazer, emitir Rublos (RUB), pois os juros já foram dobrados esta semana.

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